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ESTADO DO ACRE

SECRETARIA DE ESTADO DA CASA CIVIL

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 4.066, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2022

 

Institui a Política Estadual de Alternativas Penais.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE

FAÇO SABER que a Assembleia Legislativa do Estado do Acre decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

 

Art. 1º Fica instituída a Política Estadual de Alternativas Penais.

 

CAPÍTULO II

DOS CONCEITOS E PRINCÍPIOS

 

Art. 2º Para os fins desta lei, serão consideradas “alternativas penais” as medidas judiciais distintas do encarceramento em virtude da aplicação de:

I - medidas cautelares previstas nos incisos I a VIII do art. 319 do Código de Processo Penal - CPP;

II - transação penal;

III - suspensão condicional do processo;

IV - suspensão condicional da pena privativa de liberdade;

V - penas restritivas de direito;

VI - práticas de justiça restaurativa;

VII - medidas protetivas de urgência previstas na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;

VIII – acordo de não persecução penal.

 

Parágrafo único. Não se considera “alternativa penal” a medida de monitoração eletrônica, prevista no inciso IX do art. 319 do CPP e no art. 146-B e ss. da Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

 

Art. 3º São princípios norteadores da Política Estadual de Alternativas Penais:

I - a redução da taxa de encarceramento mediante o emprego restrito da privação de liberdade, na forma da lei;

II - a presunção da inocência, a proporcionalidade, a idoneidade das medidas penais e a valorização da liberdade;

III - a dignidade, a autonomia e a liberdade das partes envolvidas nos conflitos;

IV - a responsabilização da pessoa submetida à medida e a manutenção do seu vínculo com a comunidade;

V - a subsidiariedade da intervenção penal com a adoção de mecanismos horizontalizados e autocompositivos, a partir de soluções participativas e ajustadas às realidades das partes;

VI - a restauração das relações sociais, a reparação dos danos e a promoção da cultura da paz;

VII - a proteção social das pessoas em cumprimento de alternativas penais e sua inclusão em serviços e políticas públicas;

VIII - o respeito à equidade, a atenção às diversidades e o enfrentamento às discriminações de raça, faixa etária, gênero, orientação sexual, deficiência, origem étnica, social e regional;

IX - a articulação entre os órgãos responsáveis pela execução, aplicação e acompanhamento das alternativas penais.

 

CAPÍTULO III

DA ESTRUTURA E DAS ATRIBUIÇÕES

 

Art. 4º A Política Estadual de Alternativas Penais será desenvolvida a partir da atuação integrada entre as instituições que compõem o sistema penal em todas as suas fases, envolvendo:

I - o Tribunal de Justiça do Estado do Acre – TJ/AC;

II - o Ministério Público do Estado do Acre – MP;

III - a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Acre – OAB/AC;

IV - a Defensoria Pública do Estado do Acre - DPE;

V - o Poder Executivo;

VI - organizações da sociedade civil.

 

Parágrafo único. Será firmado termo de cooperação técnica entre as instituições relacionadas no caput, visando a efetividade mediante definição das respectivas responsabilidades quanto à execução da Política Estadual de Alternativas Penais.

 

Art. 5º A gestão da Política Estadual de Alternativas Penais será executada pelo órgão ou entidade responsável pela gestão das políticas penais, a qual compete:

I - coordenar sua execução;

II - implantar as Centrais Integradas de Alternativas Penais - CIAPs, com equipes multiprofissionais qualificadas conforme as demandas do Estado;

III - executar, por meio das CIAPs, as ações necessárias para o atendimento e acompanhamento das pessoas em cumprimento de alternativas penais, dando suporte técnico para o devido cumprimento das medidas aplicadas, a partir de fluxo previamente definido no instrumento de que trata o art. 6º desta lei;

IV - impulsionar a criação de Fundos Municipais destinados ao financiamento de serviços de alternativas penais, podendo ainda, buscar outros recursos para garantir a sustentabilidade, expansão e aprimoramento da Política Estadual de Alternativas Penais;

V - integrar grupo gestor ou outra instância de governança colegiada a nível estadual sobre as alternativas penais, visando a interlocução e o alinhamento estratégico com os órgãos do sistema de justiça criminal e organizações da sociedade civil, a fim de fortalecer a implementação da Política Estadual de Alternativas Penais.

 

Art. 6º A CIAP é instrumento constituído por equipe multidisciplinar de nível local ou regional, com a finalidade de acompanhar o cumprimento das alternativas penais previstas no art. 2º desta lei, com atribuição para:

I - atuar na porta de entrada da justiça criminal por meio do serviço de atendimento à pessoa custodiada por ocasião da audiência de custódia, com atendimento social prévio e posterior à audiência;

II - acompanhar o cumprimento das modalidades de alternativas penais estabelecidas durante a fase de conhecimento do processo penal, assim como durante a fase de execução penal;

III - acolher, acompanhar e orientar as pessoas em alternativas penais por meio dos serviços psicossocial e jurídico, além de garantir atendimentos e dinâmicas interdisciplinares e em grupo;

IV - incentivar a autonomia e o protagonismo da pessoa em alternativa penal, a restauração de vínculos familiares, sociais e comunitários, o entendimento e a ressignificação dos processos de criminalização, dos conflitos e das violências vivenciadas, e a busca por reversão das vulnerabilidades sociais;

V - garantir o respeito à diversidade racial, étnica, de gênero, de sexualidade, geracional, de origem e nacionalidade, de renda e classe social, de religião, de crença, entre outras;

VI - acompanhar o cumprimento da alternativa penal imposta por meio do contato direto com a pessoa em cumprimento e as entidades parceiras, garantindo-lhe o suporte necessário;

VII - desenvolver metodologias como grupos reflexivos e práticas restaurativas, visando maior efetividade quanto à responsabilização e à restauratividade de pessoas em cumprimento de alternativas penais;

VIII - fomentar projetos para homens autores de violências contra as mulheres, em parceria com os órgãos do sistema de justiça criminal, instituições da rede de proteção das mulheres e instituições especialistas em gênero, a fim de acompanhar as medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Federal nº 11.340, de 2006;

IX - garantir o direito à informação pelas pessoas em cumprimento de alternativas penais, quanto à tramitação processual, aos serviços e assistências oferecidas, e às condições de cumprimento das alternativas impostas;

X - instituir fluxos, metodologias especializadas e dinâmicas de trabalho interinstitucionais com a rede de proteção social local, observando as habilidades, aptidões, local de moradia e horários disponíveis da pessoa submetida às alternativas penais;

XI - facilitar encaminhamentos relativos à atenção à saúde, inclusive saúde mental, de cunho não obrigatório;

XII - constituir e participar de redes de proteção social para a garantia de direitos das pessoas nos campos da assistência social, assistência jurídica, atenção à saúde, atendimento para uso abusivo de álcool e outras drogas, atenção à saúde mental, educação, trabalho, renda e qualificação profissional;

XIII - construir fluxos e procedimentos com as varas criminais, varas de execução penal, varas especializadas em alternativas penais e varas ou núcleos competentes para realização da audiência de custódia, quanto às alternativas penais atendidas pela CIAP e as dinâmicas de trabalho, de forma a não sobrepor atividades com o Poder Judiciário;

XIV - promover capacitações, palestras, seminários e cursos sobre alternativas penais, a fim de disseminá-las junto à sociedade, órgãos governamentais e da sociedade civil;

XV - realizar o tratamento dos dados pessoais do público atendido, observado o sigilo sobre de dados sensíveis, para coleta, sistematização e desagregação de dados relativos a:

a) pessoas, considerando as variáveis sobre raça, gênero, idade, ocupação, educação, endereço e status migratório;

b) medidas alternativas, incluindo os tipos penais, quantidade, descumprimento, atividades desenvolvidas, metodologias como grupos reflexivos e práticas restaurativas, dentre outras.

XVI - disponibilizar regularmente, em site na internet, dados anonimizados e desagregados relativos ao público atendido, a fim de facilitar o monitoramento e avaliação dos serviços e seu aperfeiçoamento.

 

§ 1º A equipe multidisciplinar da CIAP será composta por, no mínimo, profissionais das áreas de serviço social, psicologia e direito, em número proporcional à quantidade de pessoas acompanhadas, com especialidade e afinidade para o trabalho, periodicamente capacitados por meio de formação continuada.

 

§ 2º Serão promovidos mecanismos para a sustentabilidade da Política Estadual de Alternativas Penais por meio da designação de servidores para exercício de funções específicas no âmbito da CIAP.

 

§ 3º O tratamento de dados pessoais pela CIAP respeitará os princípios elencados no art. 8º da Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, em especial os princípios da privacidade, da finalidade, da adequação, da necessidade e da não discriminação.

 

Art. 7º Fica criada a CIAP com atribuição para atuar na comarca da capital, sediada em local próprio integrado ao espaço urbano e comunitário, preferencialmente distinto do fórum e dos estabelecimentos penais.

 

Parágrafo único. A CIAP contará com núcleo ou polo no local onde se realize a audiência de custódia, onde atuará o serviço de atendimento à pessoa custodiada.

 

Art. 8º Poderão ser criadas, por ato normativo próprio, CIAPs para atuação localizada em:

I - bairros ou zonas urbanas, podendo considerar a divisão territorial de unidades judiciárias locais, como os juizados especiais criminais;

II - comarcas do interior do Estado, levando em conta a demanda de pessoas em cumprimento de alternativas penais, promovendo a interiorização da Política Estadual de Alternativas Penais e incentivando a respectiva gestão pelas prefeituras municipais;

III - agrupamento de comarcas do interior do estado ou mesorregiões, referenciado no fracionamento territorial estabelecido pelas normas de organização judiciária.

 

Art. 9º Será proporcionado à CIAP insumos, meios e recursos humanos para a implementação de metodologias qualificadas e específicas para o atendimento e acompanhamento de todas as modalidades de alternativas penais, a partir de prévio alinhamento com o sistema de justiça.

 

Art. 10. O atendimento e acompanhamento do cumprimento das alternativas penais deverá observar as metodologias previstas no manual de gestão para as alternativas penais e, no âmbito do atendimento social na audiência de custódia, observar o disposto no manual de proteção social na audiência de custódia, ambos publicados pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

Art. 11. A Política Estadual de Alternativas Penais será incluída na legislação orçamentária do estado com recursos específicos destinados à sua implementação.

 

§ 1º O Poder Executivo impulsionará a criação de fundos municipais destinados ao financiamento de serviços de alternativas penais.

 

§ 2º O órgão ou entidade gestora da Política Estadual de Alternativas Penais buscará outros recursos federais e internacionais através de convênios, fundos, editais, premiações ou outros meios para garantir a sustentabilidade, expansão e aprimoramento da política na capital e nos municípios, garantindo a interiorização dos serviços.

 

§ 3º Poderão ser destinados recursos estaduais para a criação de CIAPs municipais.

 

Art. 12. O Poder Judiciário, o MPE/AC e a DPE/AC articularão esforços para o desenvolvimento de ações conjuntas no sentido de:

I - constituir com o governo do Estado as modalidades de alternativas penais que serão acompanhadas pelas CIAPs, bem como delimitar os fluxos de encaminhamento e acompanhamento;

II - fomentar ações e projetos de grupos reflexivos e justiça restaurativa, em parceria com as CIAPs, visando incentivar a participação da comunidade e da vítima na resolução dos conflitos, bem como o fomento a mecanismos horizontalizados e autocompositivos;

III - promover o encaminhamento de casos para projetos de justiça restaurativa, garantindo a substituição e/ou suspensão do processo penal sempre que possível, contribuindo para a redução dos processos de criminalização de pessoas;

IV - indicar representante da instituição para representação junto ao comitê gestor estadual.

 

Parágrafo único. Caberá ao Poder Judiciário:

I - estabelecer fluxo, nas situações em que for aplicada a medida cautelar de comparecimento obrigatório em juízo e outras medidas, para que as pessoas submetidas às alternativas compareçam à CIAP, em substituição ao comparecimento às Varas, possibilitando acompanhamento técnico especializado;

II - promover a criação de Varas especializadas em alternativas penais, com atenção especial para as Comarcas do interior do Estado;

III - priorizar a destinação de penas pecuniárias para o fomento e fortalecimento dos projetos e serviços afetos à Política Estadual de Alternativas Penais, tais como para a realização de grupos reflexivos e práticas restaurativas.

 

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 13. Será constituído grupo gestor estadual, ou outra instância interinstitucional de caráter consultivo, para o acompanhamento da Política Estadual de Alternativas Penais, do qual participarão órgãos elencados no caput do art. 4º desta lei, tendo atribuição para:

I - sensibilizar a sociedade e o sistema de justiça criminal sobre a necessidade de aplicação das alternativas penais, como forma de se diminuir o encarceramento;

II - acompanhar a implantação dos serviços especializados no atendimento e acompanhamento de pessoas desde a porta de entrada na audiência de custódia até a fase de execução das alternativas penais;

III - fomentar a qualificação da rede de serviços para atendimento e acompanhamento das pessoas em cumprimento de alternativas penais, bem como para garantir o acesso a direitos;

IV - fomentar a transparência, o controle e a participação social na Política Estadual de Alternativas Penais;

V - promover o enfoque restaurativo nas práticas de alternativas penais;

VI - acompanhar a gestão da informação, a produção de dados e o aprimoramento de uma política baseada em evidências.

 

Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Rio Branco-Acre, 15 de dezembro de 2022, 134º da República, 120º do Tratado de Petrópolis e 61º do Estado do Acre.

 

Gladson de Lima Cameli

Governador do Estado do Acre

 

Este texto não substitui o publicado no DOE de 19/12/2022.

 

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